Darwin Pillar Corrêa- Professor de Teoria e Percepção na Orquestra Jovem Recanto Maestro

Dentre todos os fenômenos perceptíveis em uma obra musical, aquele que carrega o maior potencial comunicativo é a forma. Apesar de ser frequentemente tomada como um conceito similar ao conceito de estrutura, a forma musical é definida, na verdade, como a maneira através da qual os diversos elementos musicais acontecem no tempo da música, o quanto se repetem, o quanto e como mudam na fluência temporal de uma composição.

Os elementos que constituem as mais diversas músicas são conhecidos como parâmetros musicais. Estes incluem, por exemplo, ritmo, alturas, timbre, dinâmica e articulação. Expandidos e combinados, estes parâmetros servem de baliza para a geração dos materiais e conteúdos que utilizamos para criar novas composições. Porém, se todas as músicas utilizam os mesmos elementos fundamentais, o que as torna tão diferentes entre si? Evidentemente, é a forma. Esta resposta, apesar de simples, é fundamental para a compreensão sobre o que há de fato para perceber e sentir na música como fenômeno.

A forma musical não é a estrutura da música. Ela vai além de segmentações da superfície musical, e resiste a quaisquer tentativas de simplificação de sua totalidade. É imprescindível diferenciar os conceitos de forma e estrutura em música. Enquanto um discurso sobre a forma de uma música requer sempre descrições de ordem temporal, descrições sobre a estrutura de uma música recorrem a uma metáfora espacial que segmenta a música em partes, em componentes, algumas vezes, alheios a suas relações temporais que são, essencialmente, a principal informação que emana do fenômeno musical.

Em música, a forma é subproduto direto do fluir musical no tempo. O que gera a forma de uma música é a maneira como os mais diversos elementos musicais são combinados e colocados em operação no tempo. Logo, a escolha de um determinado material musical – seja ele uma sequência de acordes, um contorno melódico particular, ou um padrão rítmico específico – não determina, a priori, o conteúdo formal de uma composição. As condições para que possamos perceber e sentir a forma de uma música ocorrem apenas quando a música acontece no seu meio natural, o tempo. Também é possível que músicas de características estéticas e estilísticas similares possam ser razoavelmente e afetivamente diferentes umas das outras. E é por isso que as diversas inovações musicais realizadas na história da música guardam em si a possibilidade de desenvolvimento contínuo, ao longo de séculos. Pois a menor diferença pode ter grande impacto na forma musical. Cada detalhe, do nível micro ao nível macro, é integrado à composição musical e determina sua forma no tempo.

A forma musical deve ser objeto de nossa consciência. A compreensão de aspectos formais das mais diversas composições aprimora a maneira como realizamos atividades de performance, de apreciação e de composição. É evidente que o conceito de forma não substitui o conceito de obra musical em si. A forma não é a música, ela é algo que percebemos da música. É por isso que músicas que têm estruturas muito similares como, por exemplo, os Allegro de Sonata da segunda metade do século XVIII na Europa, são percebidas como diferentes entre si. Todo o conteúdo de uma composição é determinante para a percepção de sua forma. E cabe a nós perceber, entender e comunicar as características formais de uma composição em nossas diversas atividades musicais, ao cantarmos, tocarmos um instrumento, ao apreciarmos obras musicais, ao criarmos novas composições.

Canções e outras músicas que apresentam texto cantado contém uma camada adicional de informação, que se relaciona com o campo informacional da música e até o amplifica; o texto verbal carrega em si uma potência incomparável para a comunicação de informações. A combinação de texto verbal e música não desfaz de maneira alguma o potencial que a música têm, em si mesma, para a evocação de emoções, tampouco elimina a possibilidade que temos de perceber a música a partir de sua própria linguagem, de apreciarmos as diversas constituições formais dos repertórios que nos cativam. No continuum entre emoção e percepção, encontramos as razões pelas quais a música, como fenômeno humanista e artístico, é componente essencial de nossas vidas: a música nos instiga e nos emociona através de um campo informacional que é só dela e, transpassando os sentidos, nos oferece experiências estéticas inigualáveis, tal como é esperado na relação entre arte e humanidade.

 

Mais artigos

Desenvolvimento Humano e Protagonismo pela Arte: Meu Caminho na Orquestra Jovem Recanto Maestro

A FORMA E A MÚSICA

Tocar para Ser: Propósito da FORMA e Orquestra Jovem Recanto Maestro.