A Escuta como Ferramenta de Interpretação: uma análise das gravações do primeiro movimento da Sonata nº 3, para violino e piano, em Ré menor, Op. 108, de Johannes Brahms

Por: Lara Bilar Montero
Durante o meu curso de Bacharelado em Música -Violino, na Universidade Federal de Santa Maria, desenvolvi um trabalho de conclusão que teve como objetivo realizar uma análise comparativa de três gravações do primeiro movimento da Sonata nº 3, para violino e piano, em Ré menor, Op. 108, de Johannes Brahms. A pesquisa surgiu do desejo de compreender mais profundamente o processo interpretativo dessa obra e de construir um referencial que me ajudasse na preparação do meu recital de formatura. Sempre me interessou a maneira como diferentes intérpretes podem dar vida a uma mesma partitura, revelando, em cada execução, novas possibilidades expressivas.
A interpretação musical é um processo complexo e cheio de nuances, que envolve tanto o conhecimento técnico e analítico quanto a sensibilidade e a intuição. Embora a análise de partituras seja uma ferramenta fundamental para o entendimento musical, ela não é suficiente para abarcar todos os aspectos sonoros e expressivos que emergem de uma interpretação. Por isso, decidi concentrar meu estudo na comparação de diferentes gravações, buscando observar como grandes intérpretes trabalham com os parâmetros de dinâmica e andamento. Essa escolha me permitiu refletir sobre a relação entre a liberdade expressiva do performer e a fidelidade às intenções do compositor.
Para a pesquisa, selecionei três gravações de referência: a de Itzhak Perlman e Vladimir Ashkenazy, de 1985; a de Maxim Vengerov e Daniel Barenboim, de 1999; e a de Gidon Kremer e Valery Afanassiev, de 2003. Essas versões foram escolhidas pela representatividade de seus intérpretes e pela distância temporal entre elas, que abrange cerca de vinte anos. As gravações foram analisadas com o auxílio do software Sonic Visualiser, uma ferramenta que permite observar graficamente as características do som, como intensidade e variações de tempo. Utilizei também a primeira edição da partitura da sonata, publicada por N. Simrock em 1889, como base de comparação para delimitar as seções e compreender as decisões tomadas por cada intérprete diante do texto musical.
O processo de análise envolveu várias etapas. Primeiro, importei as gravações no formato digital e marquei manualmente os tempos dos compassos no Sonic Visualiser. Depois, medi os andamentos médios de cada seção e apliquei um plugin que gera gráficos de intensidade sonora, o Power Curve – Smoothed Power, permitindo visualizar as curvas de dinâmica. Os dados obtidos foram compilados em tabelas e transformados em gráficos que revelaram, com clareza, como cada intérprete lida com as nuances da partitura. Analisei as variações de dinâmica e andamento em seções específicas do primeiro movimento, observando tanto os trechos locais, onde há marcações de crescendo e decrescendo, quanto o comportamento global das performances.
Os resultados mostraram que todos os intérpretes mantêm uma relação equilibrada entre liberdade expressiva e respeito à partitura. A interpretação de Kremer e Afanassiev apresentou as maiores variações de dinâmica, com um fraseado mais contrastante e expressivo. A de Vengerov e Barenboim mostrou-se mais estável e detalhista, equilibrando
controle técnico e expressividade. Já Perlman e Ashkenazy optaram por uma leitura mais contida e lírica, com variações menos acentuadas. Ao observar as curvas de dinâmica, percebi que, apesar das diferenças, as três gravações apresentam ápices nos mesmos pontos estruturais da obra, o que indica uma compreensão comum da forma sonata de Brahms.
As análises de andamento revelaram o uso constante do rubato como recurso expressivo, embora com intensidades diferentes em cada performance. Todas as gravações apresentaram flutuações controladas de andamento, especialmente nas transições e nas cadências. Entre as três versões, a de Perlman e Ashkenazy mostrou o andamento médio mais rápido, enquanto Kremer e Afanassiev adotaram uma abordagem mais lenta e flexível, com grande sensibilidade temporal. Foi interessante perceber como essas pequenas variações de tempo influenciam diretamente a percepção da estrutura e da emoção da música.
O uso do Sonic Visualiser mostrou-se extremamente eficaz para observar, de forma objetiva, as escolhas interpretativas. A ferramenta tornou possível transformar o som em imagem e enxergar o comportamento expressivo das gravações, algo que normalmente percebemos apenas de forma subjetiva. Essa metodologia uniu escuta e análise de um modo que ampliou minha compreensão da performance. Trabalhar com dados visuais e compará-los com o que ouvia permitiu que eu desenvolvesse uma escuta mais crítica e consciente, algo que levarei para futuras interpretações.
Ao longo desta pesquisa, percebi que a partitura é apenas o ponto de partida. A verdadeira obra acontece na performance, na relação viva entre o músico, o instrumento e o som. Cada intérprete, ao tocar, recria a música a partir de suas escolhas, experiências e percepções, e é justamente essa pluralidade que mantém a arte sempre em movimento. Observar as diferentes interpretações da Sonata nº 3 de Brahms me fez compreender que interpretar é, acima de tudo, escutar: escutar a partitura, as gravações, o próprio som e o silêncio entre as notas.
Este estudo mostrou que a análise e a performance não são atividades separadas, mas complementares. A escuta atenta e o estudo comparativo de gravações, se revelaram ferramentas poderosas para o desenvolvimento interpretativo. Ao final, mais do que um trabalho técnico, esta pesquisa foi uma forma de aproximar a análise acadêmica do fazer artístico, reafirmando que compreender uma obra é também uma maneira de vivê-la e transformá-la em expressão pessoal.

Mais artigos

A Escuta como Ferramenta de Interpretação: uma análise das gravações do primeiro movimento da Sonata nº 3, para violino e piano, em Ré menor, Op. 108, de Johannes Brahms

Desenvolvimento Humano e Protagonismo pela Arte: Meu Caminho na Orquestra Jovem Recanto Maestro

A FORMA E A MÚSICA